16 de jul. de 2012

O sândalo e o machado e o pastor jubilado



Anos quarenta. Cabelos brancos e os solenes casaco preto e calça listrada -- traje usual dos homens da geração anterior. De quando em quando ele aparecia lá em casa, nos meus dias de menino. Geralmente portava duas grandes valises, pesadas de tanto vidro que levavam; eram quadrinhos simples, feitos com gravuras recolhidas em toda porta e coladas sobre um fundo branco no qual se escrevia, com normógrafo e lápis crayon, frases bonitas, muitas das quais versículos bíblicos; o contorno era um largo “passe-partout” preto. 
 
Ele fora pastor de meus avós e morava então na região serrana do estado. Jubilado, viajava para visitar antigas ovelhas. Para ajudar na singela aposentadoria, vendia os quadrinhos. Lembro-me da imagem de um deles: uma caravela em um mar revolto; de outro, só recordo a legenda: “Seja como o sândalo, que perfuma o machado que o fere”.
 
Essas imagens sempre se acendem em minha memória lembrando-me do cuidado que devemos dispensar àqueles que se dedicam à pregação do evangelho. É verdade que, de modo geral, os novos tempos trouxeram melhor e mais confortável situação -- mais compatível com a dignidade da alta missão que desempenham -- para os pastores locais.
 
Dói-me o coração, no entanto, ver que na maioria das vezes o mesmo não acontece com os missionários. Não sei por que a igreja, como um todo, não costuma prover o sustento dos missionários em moldes semelhantes aos dos pastores locais. Antes, obrigam-lhes a cavar o próprio sustento nas muitas comunidades que visitam para divulgar o trabalho. 
 
A pulverização das fontes de sustento traz o desconforto de o missionário normalmente ter de sacrificar as férias no Brasil para visitar, em outras cidades, as igrejas que o sustentam, a fim de lembrar-lhes que ele ainda está vivo e trabalhando. Ademais, acontece por vezes de o sustento ser suspenso por motivos diversos: durante o período de férias do missionário, sob a alegação de que a manutenção é apenas para o campo; porque a igreja local resolveu priorizar construções ou reformas; ou, ainda, porque houve mudança de pastor da igreja local e o novo não tem visão missionária.
 
Será que, egoisticamente, estamos pensando que missionários são como madeira de sândalo, e nos comprazemos em ficar perfumados enquanto os ferimos?
 
Antônio Carlos W. C. de Azeredo • é presbítero da Igreja Presbiteriana Nacional, em Brasília, e membro do Conselho de Evangelismo e Missões da mesma igreja.

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